terça-feira, 24 de agosto de 2010

LENDAS DE PORTUGAL - XXII - SERTÃ

A arma de Celinda


Viriato assassinado pelo longo e traiçoeiro braço de Roma, substituiu-o na defesa da Lusitânia um homem chamado Sertório, romano exilado. Sila odiava-o desde os tempos em que Sertório apoiara a causa de Mário, e perseguia-o a ele e aos seus amigos lusitanos. Mas das três ou quatro vezes que lhe mandaram legiões para o eliminarem, sempre a estratégia do romano, que sabia como os outros romanos pensavam, os esmagava com a maneira guerrilheira que os lusitanos tinham de lutar. E os Montes Hermínios eram território em que se moviam bem os valentes lusitanos.
Pois as tropas lusitanas atravessavam uma aldeia, Vinham vitoriosas, comandadas por Hirtuleio, questor de Sertório. Esperava-as um período de repouso para retemperar as forças e de novo caíram com gosto sobre os romanos, que não lhes largavam os calcanhares. E dentre os lusitanos que ali iam, o mais alto deles, um jovem de ombros largos, olhava para as casas com particular atenção. De repente, abriu-se uma porta e uma rapariga correu para ele gritando-lhe o nome:
"Marcelo!"
Abraçaram-se. Era Celinda, a namorada do militar. Ela queria que ele ficasse já na aldeia, que era deles, mas o rapaz tinha ordem de se apresentar pessoalmente a Sertório. Hirtuleio apreciara-o em combate e enviara uma mensagem ao chefe recomendando que lhe fosse dado um lugar de responsabilidade.
"Só aparecem coisas destas para nos afastar um do outro!", queixava-se a rapariga. "Quando acabarão estas lutas?"
"Quando corrermos com os romanos desta terra."
Nisso Celinda estava de acordo e o pé atrás que tinha contra Sertório não era só porque ele lhe afastava o namorado de casa, mas também porque se tratava de um romano. Amigo dos lusitanos, mas romano.
Daí a alguns dias, quando regressava à sua aldeia, Marcelo trazia a boa nova de ter sido nomeado governador do castelo de lá. Casar-se-ia com Celinda e ali ficariam como sentinelas da Lusitânia, com oficiais e soldados às suas ordens. E os meses seguintes foram calmos e felizes para os recém-casados.
Mas um dia os romanos aproximaram-se demasiadamente do castelo daquela aldeia e Marcelo saiu a combatê-los. Houve recontros sangrentos e Marcelo foi gravemente ferido. Celinda estava a cozinhar quando os romanos conseguiram entrar no castelo e havia lusitanos já descoroçoados. Mas ela, munida de uma sertã com azeite a ferver, deu-lhes combate directo, o que galvanizou de novo as forças defensoras do castelo que conseguiram expulsar dali os romanos.


Enquanto combatiam, Marcelo, muito ferido, foi introduzido na fortaleza por uma porta falsa e imediatamente tratado. Celinda estava na primeira linha de combate espantando os romanos por verem uma mulher assim enfurecida contra eles.
A arma da castelã acabaria por dar o nome à então pequena aldeia, hoje uma bela terra, Sertã.

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