quinta-feira, 23 de junho de 2011

LENDAS DE PORTUGAL - XXXI - VOUZELA

O mistério da Caninha

O cenário desta lenda é Fataunços, em Vouzela. Estamos no Couto de Alafões e esse homem velho e feio é El Haturra, um mouro que continuou fiel à sua fé, embora conviva coma corte portuguesa. É El Haturra e tem a sua mania, que consiste em andar sempre coma sua caninha seca, já motivo de risotas dos demais. Mas El Haturra não se importa, pois é algo bonacheirão o seu feitio. Mas um dia o seu intimo Álvaro, português, chamou-lhe a atenção exactamente para isso. El Haturra, a princípio, zangou-se, mas, como era mesmo muito amigo de Álvaro, contou-lhe:

"Meu caro, quero que saibas um segredo que na minha família só tem sido transmitido de pais para filhos ou de tios para sobrinhos. Trata-se do segredo desta varinha, que é mágica. Não troces, Álvaro, trata-se mesmo de um objecto de família. Esta foi o bastão derradeiro do comando que usou o meu antepassado Alafum na célebre retirada dos agarenos. E ficas, desde já, a saber, que quando esta vara, que bem vês velha a ressequida pelo tempo, conseguir reverdecer é o sinal sagrado. O sinal sagrado, meu caro Álvaro, do encontro de dois descendentes de Cid Alafum... Estás a ver porque é que nunca abandono a minha varinha?"

Álvaro estava admirado, e alguma coisa reticente. Mas El Haturra explicou-lhe que quando se encontrasse com uma descendente de Alafum tomar-se-iam ambos herdeiros universais de quanto havia pertencido ao ilustre antepassado comum. Importava era descobrirem-se.

E em muitas tardes de passeio, os dois amigos conversaram sobre este tema, a ponto de Álvaro acreditar. E certo dia ambos viram passar duas mouras. Uma princesa e a sua aia. E reverdeceu a varinha, tendo El Haturra reconhecido a aia como sua parente. Seguiram-nas até à corte de Portugal e operou-se então um fenómeno: El Haturra rejuvenesceu e, assim, pôde ir à vontade ao encontro da sua prima, por quem se apaixonara. E esta amou-o também naquele mesmo instante. Entenderam casar, pelo que estabeleceram contactos com a corte portuguesa. O rei concordou e ofereceu-lhes todo o território que havia pertencido ao ascendente comum. Mas com uma condição: El Haturra seria baptizado. E ele disse que não o faria. No entanto, ele e a prima estavam apaixonadissimos, o rei estava inflexível e a noiva censurava o que supunha ser menos amar por parte do noivo. El Haturra, entre a espada e a parede aceitou baptizar-se. Porém, esquecia alguma coisa.
Naturalmente, antes da cerimónia do casamento, El Haturra deveria baptizar-se e para isso teve de deixar a sua preciosa caninha fora da igreja. E aconteceu então algo com que ele não contava, muito menos a noiva. Ao receber os óleos do baptismo, toda a sua juventude desapareceu, regressando ao velho que realmente era. É que, conforme a tradição, a magia da caninha só se mantinha se os dois descendentes de Cid Alafum obedecessem a lei de Mafamede!

A noiva desmaiou e El Haturra desapareceu para não mais ser visto.




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