sexta-feira, 11 de setembro de 2009

LENDAS DE PORTUGAL - XI - ALMEIRIM

A sopa de pedra
A lenda que corresponde a Almeirim tem a particularidade de ser raras cuja repercussão atravessou o tempo e ainda hoje nos senta à mesa, água na boca, colher na mão, para um saboreio a preceito. Seja, trata-se de uma festa mitográfica carregada de actualidade. Eis, pois, a sopa de pedra. Especialidade desta terra, a lenda enquadra-se num frade que tinha tanto de esfomeado -e não de comilão, como por aí se diz - como de imaginativo.
Andava o frade no seu peditório e foi bater ao portão de um lavrador, onde esperava matar a fome. Porém, o lavrador era demasiado avarento e nada lhe quis dar. Não perdendo a bonomia, o frade disse:
-Bem, então vou ver se faço um caldinho de pedra...
Dito isto, baixou-se pegou numa pedra, deitou-a fora, depois noutra, até que encontrou uma que pareceu agradar-lhe. O lavrador e a mulher, que entretanto acudira, observavam-no com atenção. A princípio, o casal riu-se, mas o frade encarou-os e perguntou:
-Nunca comeram caldo de pedra, pois não? É um petisco de truz!
Curiosos, os lavradores dispuseram-se a apreciar. Então, ele pediu-lhes emprestado uma panela de barro, que encheu de água e nela meteu a pedra bem lavada.
-Se me deixassem pôr isto a cozer aí à lareira...
E quando a panela começou a chiar, o frade comentou:
-Com um pedacinho de unto, ficava um primor!
Veio o unto. Depois pediu sal para matar o insosso.
-Com um nadinha de chouriço é que isto ganhava graça!
Depois pediu feijão encarnado, umas batatinhas, e tudo ia para a panela, donde saía um cheiro de aguçar o apetite a um morto. Os lavradores, aparvalhados, apreciavam o cozinhado e o frade lambia os beiços.
-E ficará bom?- perguntava o lavrador.
-Não se nota só pelo cheiro?- respondia o frade.
A mulher do lavrador anotava tudo num papel, que não conhecia a receita. O frade tirou a panela do lume e serviu-se numa malga que também lhe emprestaram. Em três malgas bem saboreadas, o espertalhão despejou a panela. O lavrador e a mulher foram espreitar e viram a pedra no fundo.
-E a pedra, ó fradinho?
-Ora, a pedra... lavo-a e vai no alforge para servir outra vez...

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