Esta lenda é dos antigos tempos aveirenses, em que a festa de S. Pedro marcava a vida das populações dali. E começa com o Tio Marcos, tombado no seu leito de morte, segurando as mãos dos seus filhos Albino e Jorge, se prepara para a longa jornada sem regresso. Tinha-os educado no caminho da rectidão e do trabalho e queria assim se mantivessem.
"Meu querido Albino, tu és o mais velho. Não deves esquecer-te de quanto te ensinei, ouviste?"
E o filho jurou ao pai que nem um só momento esqueceria as lições recebidas.
"Respeita sempre o teu irmão, Jorge, ele é o mais velho. Gostaria que vocês fossem um nó tão apertado que ninguém o pudesse desatar!"
Comovidos, os filhos disseram ao velho que poderia confiar neles. O Tio Marcos disse-lhes que assim poderia morrer descansado mas, antes, queria entregar-lhes a herança. E de debaixo da sua almofada tirou um pequeno saco.
"Está fechado e só o abram quando estiverem verdadeiramente aflitos. Não é muito, mas é o que vos posso deixar. Guarda-o tu, Albino, mas lembra-te que isto é de ambos! É leve, mas vale uma fortuna. Mas primeiro contai com o vosso trabalho!"
E lá se foi o bom Tio Marcos. Os dois rapazes guardaram o saco e voltaram ao trabalho, que tinham bons braços para isso. E corria tudo muito bem para eles até que, um dia, chegou uma rapariga muito bonita à aldeia. Dizia-se que fugira de casa por não querer casar com o homem que o pai queria por força e ela odiava. E muitos rapazes da aldeia ficaram enamorados dela, incluindo o Albino e o Jorge. E ela a todos dava esperanças. Porém, aquela situação começou a criar problemas entre os dois irmãos, que chegaram a relaxar o próprio trabalho, além da amizade que os unia. Chegaram mesmo a discutir. Qualquer deles presumia ser o rapaz de quem ela gostava. Depois da discussão, cada um deles procurou a bela rapariga e combinou fugir com ela da aldeia logo depois das festas de S. Pedro. Um e outro se prontificou a deitar a mão ao saco, onde estava a herança do Tio Marcos. Porém, a rapariga conseguiu dar cabo da cabeça a um e a outro, sugerindo-lhes que matasse o irmão. E eles, na inconsciência da paixão, nem se lembravam das palavras amigas do pai.
Ora a noite de S. Pedro, em pleno arraial, Albino e Jorge encontraram-se frente a frente. O primeiro tinha na mão o saco da herança do Tio Marcos. Ali mesmo os irmãos engalfinharam-se. Pareciam dispostos a matar. De repente, ouviu-se uma voz: "S. Pedro, valei-me!" E o próprio S. Pedro apanhou o saco e abriu-o. Dentro estava apenas um nó apertadíssimo. Os irmãos olharam-no e caíram em si. Houve um estrondo e a rapariga por quem lutavam desfez-se em fumo. Abraçaram-se e entenderam que estiveram a ponto de ceder ao demónio tudo de bom que neles havia!