A Safra da Moura fica entre Tolosa e a Ribeira do Sor, junto à Estrada Nacional nº 118, no concelho de Nisa. E chama-se assim a um conjunto de enormes penedos graníticos, entre os quais existe uma gruta onde, ainda hoje, há vestígios de ali se terem acendido fogueiras. Os séculos desbobinaram-se desde aqueles tempos, mas uma capa fuliginosa no interior ainda não se dissipou.
Saibam quantos que durante a Reconquista Cristã, abrigou-se ali um casal de mouros. Não fugia dos cristãos, era apenas um caso de objecção de consciência Ele, que fora um grande cavaleiro das hostes de Alá, abandonou os seus e, levando consigo a bela e bondosa esposa, meteu-se naquela gruta. Mas deixou uma carta ao seu rei:
««Conheceis-me bastante bem para concluírdes que não é o medo da luta que me toma desertor. Nunca receei o combate frente ao inimigo. As minhas armas nunca se baixaram quando o perigo e a morte mais se avizinhavam. Mas, pensei longamente nas razões invocadas para sustentam este guerra, sem nunca ter encontrado uma única razão que a justificasse. Sempre ouvi fundamentar esta terrível contenda na incompatibilidade religiosa entre Cruz e o Crescente. Semelhante justificação não passa de uma falsidade, com o fim de encobrir os desejos expansionistas dos soberanos que tiranicamente nos governam.»»
Furioso, o rei mouro ofereceu muito dinheiro pela denúncia do casal, mas as populações, que sabiam bem onde estavam os fugitivos, nunca aos denunciou. A moura era a bondade em pessoa e ajudava-os muito com as suas riquezas pessoais, de que se fizera acompanhar. Mais fechado era o marido, mas raramente aparecia.
Ora, certa vez, uma pobre e velha viúva viu-se na necessidade de esmolar junto da moura. Foi à Safra da Moura, mas encontrou-se com ele e não com ela. Muito triste e a medo, lamentou-se e pediu. O cavaleiro escutou-a e trouxe-lhe uma cesta com carvões. A pobre, desesperada, maldizendo a sua sorte, regressou a casa. Pelo caminho, como a cesta lhe pesasse, foi deitando fora os carvões. Ao chegar a casa, como só lhe restasse um, atirou-o para a lareira, esmagando-o. E qual não foi o seu espanto ao ver aparecer uma moeda de ouro!
E logo saiu a velha de casa, seguindo pelo mesmo caminho para apanhar os carvões que deitara fora. Mas não encontrou nenhum. Porém, junto à Safra, lá estava o mouro sorrindo-lhe. Ele disse-lhe:
««Bem percebi que não confiavas em mim, boa mulher! E segui-te, recolhendo todo o carvão que tinha dentro as moedas de ouro. Toma, leva-o contigo e alivia a tua pobreza. Mas vais fazer-me um favor: não julgues as pessoas pela sua aparência. Ficas a saber que para a minha mulher vos poder ajudar a todos, eu é que trabalho preparando os alimentos e os remédios.»»
Não se calou a velha e assim se ficou a saber que o mouro era tão bondoso como a esposa. E retribuíram-lhes com carinho a generosidade deles.