Aqui há uns anos ainda não se podia perguntar em Mortágua: Quem matou o juiz? Os mais velhos levavam a mal e podia ser que houvesse pancadaria. Porém, hoje já ninguém liga a essa brincadeira que atravessou os tempos com foros de tragédia. Há, mesmo, duas versões da lenda. Começaremos pela que joga com mais dados históricos. Pois vamos ao reinado de D. Afonso IV, façam favor.
Gil Fernandes de Carvalho, um dos senhores de Carvalho e Cercosa, nascido ainda em tempos de D. Dinis, era um homem poderoso e rico. Por qualquer razão, o juiz de fora de Mortágua mandou açoitar-lhe um moço de esporas, sentença esta que foi confirmada pelo corregedor da comarca. Gil Fernandes entendeu que o magistrado abusara dos seus poderes afrontando a sua fidalguia e mandou espancá-lo até à morte. E enquanto apanhava, o juiz e quem mais fosse escutava o pregão "Justiça que manda fazer Gil Fernandes!" Ao que se disse, o juiz de fora não só perdeu a vida como as orelhas e o nariz!
Mas há uma versão um pouco diferente. Nesta, o juiz de fora terá exorbitado de funções perante a população. Esta tocou o sino a rebate e prendeu o juiz, levando-o para os limites do concelho de Mortágua. Aí foi assassinado, usando os seus executores sachos, forquilhas, foucinhas, etc.
D. Afonso IV, sabedor deste crime, mandou indagar e o funcionário régio que se deslocou à terra, perguntando a cada pessoa quem matara o juiz, ouvia sempre a mesma resposta: "Foi Mortágua!" Agora com o que Mortágua não contava era com séculos de engraçadinhos que a primeira coisa que faziam ao chegar ao largo principal era perguntar, com ar de mofa: "Quem matou o juiz?" E alguns, embora levassem orelhas e nariz à saída do concelho, também levaram os lombos aquecidos...