Correndo o ano de 1148, conquistadas Lisboa e Santarém, D. Afonso Henriques tinha montado o cerco a Óbidos desde os primeiros dias de Novembro. Na noite de 10 de Janeiro, na sua tenda, o rei conversava com um dos seus melhores cabos de guerra, Gonçalo Mendes da Maia. Comentavam que aquela demora dos mouros se renderem assentava no bem abastecidos que estavam, pelo que só um ataque de rompante poderia acabar com aquele compasso de espera. E quando cada qual recolheu à sua cama, ficara assente esse ataque em grande para a madrugada do dia seguinte.
O acampamento português estava vigiado por umas quantas sentinelas, mas a verdade é que um vulto conseguiu esgueirar-se entre elas e penetrar na tenda de Gonçalo Mendes da Maia, acordando-o. O guerreiro ficou abismado como tudo aquilo aconteceu e mais ainda ao verificar que se tratava de uma rapariga de rara beleza, que dizia ter saído do próprio castelo e estar ali para que ele a levasse ao rei, a quem queria comunicar uma mensagem urgente. Lá de quem era, não sabia, pois lhe fora transmitida em sonho por um jovem cavaleiro de alvas barbas. Admirado com tudo aquilo, Mendes da Maia entendeu levar a intrusa ao rei, que ele próprio acordou.
D. Afonso Henriques ouviu atentamente a jovem, que não era exactamente moura. Lembrou-se da aparição de Cristo na véspera da batalha de Ourique e considerou aquele novo encontro de grande significado. A rapariga revelou o conteúdo da mensagem do cavaleiro que lhe aparecera no sonho. Acrescentou que tivera o sonho três noites seguidas e, finalmente, se dispusera a cumprir as ordens assim recebidas:
~"Ele disse-me que fosse ao acampamento dos seus homens, para lá das muralhas. Cá estou. E foi claro: Procura primeiro a tenda que fica ao lado direito da do rei Afonso. A do rei é a maior e tem uma cruz. Acorda o cavaleiro que lá dorme e diz-lhe que te leve à presença do rei. Depois, dirás ao rei Afonso que reúna os soldados e que os conduza a um ataque de surpresa na parte fronteiriça do castelo. Isto logo que a manhã chegue. Por outro lado, Gonçalo Mendes da Maia irá com dez dos seus homens pela parte oposta. Então aí tu abrirás a porta e eles entrarão sem que ninguém se aperceba, pois os mouros estarão atraídos no combate com o rei. Será a vez de Mendes da Maia fazer os seus estragos e dispersar as atenções. Assim, Óbidos passará para as mãos dos portugueses!"
E aconteceu o previsto. Mendes da Maia entrou pela porta das traseiras do castelo de Óbidos, aberta pela jovem que facilmente se livrou de duas sentinelas sonolentas. E lutavam já os portugueses dentro quando se ouviu o berro de que tinha havido traição, que a porta fora aberta aos cristãos!
A rapariga é que nunca mais foi vista. Teve o seu desempenho e desapareceu. Ela e o jovem cavaleiro de barbas brancas, em quem D. Afonso confiara, nem em sonhos voltaram aparacer.