Quem a contou a quem a escreveu pela primeira vez não teve rebuço em dizer que o cenário cronológico desta lenda esposendense se situa "no tempo dos afonsinhos". Ora quê, nada mais preciso para a pendurar na Idade Média! Mesmo o Caçador do Belinho, cujo nome já na altura estava apagado pelo da sua fama cinegética, andava de arco e flechas. Eis, pois, a lenda contada, em 1903 ou 1904, pelo padre João da Paia ao escritor Manuel de Boaventura, que a estampou num dos jornais da sua terra, em Janeiro de 1971, pouco antes de falecer.
A lenda fala-nos de um homem, com fama de grande caçador por hábil no lançamento das setas, a viver no Belinho, o que fora noviço no convento de S. Romão, em Riba-Neiva. Ora começa a história quando, em dada altura, as populações das imediações da sua casa lhe batem à porta. Pedem-lhe que os livre de uma espécie de praga que daquela acontecia. Lobos e raposas invadiam os montes, desciam aos povoados e às quintas, desfazendo galinheiros e demais gado, atacando mesmo quem encontrasse isolado. Sem se fazer rogado, o Caçador do Belinho deitou a mão à sua arma e meteu-se ao monte, disposto a satisfazer os seus vizinhos.
Subiu montes e fraguedos até que deu com a primeira raposa, desferindo-lhe tão rápida flecha que a abateu num instante. Depois, esperou que outra lhe saísse adiante, de uma madrigueira, sob um penedo com feitio de um pião com o ferro para o céu. Porém, por qualquer razão, tropeçou e enfiou-se por uma ribanceira, partindo ambas as pernas na queda. Não se podia mexer naquele fundão. nem os seus berros alcançavam vivalma. Nem consigo tinha o arco e as flechas para se poder defender.
Exausto de dor e de pedir socorro, o caçador do Belinho pensou que Deus o poderia ajudar e como intermediário escolheu cuidadosamente o Santo Abade Amaro, cuja imagem estava na igreja do convento onde fora noviço, e cujo altar tantas vezes arranjara. Pois a ele se dirigiu pedindo pernas novas com que dali pudesse sair para se salvar das dores e dos perigos da noite que chegava. E orando caiu numa estranha sonolência, que parecia dominar todos os seus sentidos.
Sem saber se dormia, se sonhava, o Caçador do Belinho abriu vagarosamente os olhos. Junto de si viu a imagem de um frade franciscano, de rosto que ele decerto já vira mas não conseguia reconhecer, as suas mãos muito brancas. Escutou então uma voz suavíssima:
"Levanta-te e caminha..."
As dores tinham-lhe desaparecido, pôs-se de pé e deu alguns passos. Tinha pernas novas, o que pedira fora-lhe concedido. O caçador continuou a andar, percorrendo três léguas até ao mosteiro de S. Romão, onde um raio de sol iluminou o rosto do Santo Abade Amaro. Era o da sombra que o ajudara.
O Caçador do Belinho agradeceu-lhe orando e viu que a ajuda tinha sido a 15 de Janeiro, dia de Santo Amaro. Depois ergueu-lhe uma capela, que recebeu a própria imagem da igreja de convento. Podem lá ir...