Que mais poderia querer a capital da Região dos Vinhos da Bairrada do que ter o nome da sua capital intimamente relacionado com uma famosa vinhateira do passado? Porém, um passado tão remoto que não conseguimos descortinar o tempo em que viveu a famosa Ana Dias. Mas temos lenda, e lenda tão interessante como a que dá o nome a boa parte do Rio Cértima. O pior, nestas coisas, é que aparece alguém a querer dar cabo da lenda com etimologias e outros dados. Mas vamos lá às lendas.
Ana Dias, naqueles recuados tempos, era nome tão respeitado como o de Baco. Possivelmente, até mais. Porque Ana Dias se apresentava à estrada de Coimbra com os seus maravilhosos vinhos obrigando a parar ali quem fosse ou viesse à cidade dos doutores. Quantos ali não sentiram o estímulo dos bairradinos para abrir um livro de leis ou um copo na mesa da autópsia? Também, valha a verdade, também acreditarmos que a Ana Dias ou qualquer dos seus vizinhos decerto também fari ou fariam rodar letões no espeto porque não se deve beber sem lastro nem se deve comer sem o apoio de um pichel dos de Ana Dias. Ah, o que nunca conseguimos descobrir é como se chamava o povoado antes dele se identificar com sua personalidade, inapelavelmente, mais importante! E que importa?
Aqui há uns tempos, numa revista bairradina, o escritor Idalécio Cação levantava a questão de nunca se falar no marido nem nos possíveis filhos de Ana Dias. Era só ela e a sua produção de vinhos. Nem nos sobrou retrato seu que, a avaliar pela fama, até deveria ter circulado em moeda! Mas não, só a sua fama de fazer parar os viajantes, consolar-lhes os sentidos com as suas produções e ficá-los a ver dobrar a curva da estrada, mal equilibrados nas suas cavalgaduras. E Manuel Rodrigues Lapa, o ilustre filólogo, que nos teria podido dizer de Ana Dias? Não que a tivesse conhecido, mas por via do topónimo da sua terra...
Quando ao rio, o leitor deve ter estranhado o nome - Certoma. Toda a gente conhece o Rio Cértima, agora Certoma. Já lá vamos. Pois o Cértima é um subafluente do Rio Vouga, nasce na Serra do Buçaco, um pouco abaixo da Cruz Alta, a 380 metros de altura. Galga 43 quilómetros na direcção Sul-Norte, atravessando quatro concelhos, atravessando a Pateira de Fermentelos. Ora o nome do rio é Cértima, mas até Avelãs do Caminho é designada com o Certoma. E porquê?
Um belo dia, nas imediações de Anadia, a rainha santa, que ia peregrinar a Santiago de Compostela, sentiu sede. Logo alguns dos seus acompanhantes dirigiram-se ao rio e encheram uma vasilha. Houve até um que provou a água e achou-a imprópria. Mesmo assim levou-a à soberana, tendo o cuidado de a prevenir. Ao primeiro golo Isabel de Aragão sentiu-se incomodada e comentou: "Que sabor esquisito, esta água é do certo má..."
E de decerto má a certomá e certoma foi um salto de passarinho. Ficou o Rio Certoma, mas, a partir de determinada altura toda a gente passou a dizer Cértima como alternativa a Certoma. Mas há quem arranje as tais etimologias...
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