Um estudo publicado esta semana no Journal of Alzheimer Disease mostra que uma dose de cafeína equivalente a cinco chávenas diárias de café permite reduzir significativamente, no cérebro e no sangue de ratos idosos com Alzheimer, os níveis da proteína ligada à doença, diminuindo também os seus sintomas. Este é só o último de uma série de estudos nesta área, que se iniciaram no final da década de 90, pela mão de dois portugueses: Luís Maia e Alexandre Mendonça. Um pioneirismos que tem uma história e cujo futuro parece promissor.
Psicólogo de formação, Luís Maia decidiu fazer no final da década de 90 um mestrado diferente. Rumou à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e foi aceite no mestrado de neurociências. Sob a orientação de Alexandre Mendonça, neurologista e especialista em doenças neurodegenerativas no Hospital de Sta. Maria, em Lisboa, o hoje professor e investigador da Universidade da Beira Interior lançou-se numa investigação que acabou por um abrir um novo caminho.
"Em 1999 saiu um artigo de cientistas norte-americanos, no qual se relatava um efeito neuro- protector da nicotina na doença de Parkinson", contou ao DN Luís Maia. Por essa altura, estavam também a ser desenvolvidos estudos para se perceber que factores poderiam ser neuro- protectores no envelhecimento. As xantinas, substâncias-primas da cafeína, tinham bons resultados em ensaios clínicos, em alguns países, e deste contexto surgiu a ideia de estudar a cafeína -um dos produtos "mais consumidos no mundo", sublinha Luís Maia-, em relação à doença de Alzheimer. "Lembrámo-nos de trabalhar com os doentes do Serviço de neurologia do Hospital de Sta. Maria, olhando para a sua história de vida, e tentar perceber se a cafeína podia ser isolada como factor neuro-protector da doença", conta.
A pergunta era arriscada e o resultado poderia ter sido negativo. Mas o que aconteceu foi o contrário. "Utilizámos uma metodologia muito refinada, o estudo de caso-controlo emparelhado", explica o psicólogo.
Durante um ano, foram avaliados 72 doentes de Alzheimer e comparados com 72 pessoas saudáveis com características de género, sociodemográficas, de idade e de escolaridade idênticas. "Para encontrarmos as pessoas tivemos de contactar mais de 150", lembra o investigador.
Os resultados compensaram. Comparando a ingestão de café dos doentes nos 20 anos que antecederam o diagnóstico, com o mesmo período nas pessoas saudáveis, e também haviam ingerido mais do dobro do café no primeiro período considerado, e quase o quádruplo no segundo. Conclusão: quem não consome café tem um risco acrescido em 40% de desenvolver a doença de Alzheimer.
Estava aberto caminho a novos estudos. Alexandre Mendonça continua a desenvolver investigação na área. Luís Maia continua a trabalhar em doenças neurodegenerativas. Mas, cafeína, só nas duas a três chávenas que bebe todos os dias.
Mais de 30 citações internacionais
Luís Maia e Alexandre Mendonça não ficaram surpreendidos por a sua investigação mostrar o efeito protector da cafeína na doença de Alzheimer. A boa surpresa foi outra: "Os dados mostraram que a cafeína era o único factor estatisticamente significativo nessa protecção", conta Luís Maia. Em 2001, os investigadores decidiram publicar os resultados, mas a primeira submissão não correu bem. "Enviamos o artigo para uma revista americana. Disseram-nos que os resultados eram fantásticos mas que se levantavam dúvidas". O European Journal of Neurology, "a melhor revista cientifica europeia na área", como sublinha o psicólogo, é que não teve dúvidas, e publicou o artigo em 2002. Sete anos depois, ele tem mais de 30 citações internacionais e os seus resultados foram confirmados experimentalmente por outros grupos no mundo.
Diário de Notícias -11.07.2009
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