domingo, 21 de novembro de 2010

LENDAS DE PORTUGAL - XXV - PAMPILHOSA DA SERRA

O morto que falou
Conta a lenda que, certa vez, ao fundo do sítio chamado Reboludo, em Pampilhosa da Serra, estava um homem a cortar a pernada de um castanheiro. Porém, em vez de se sentar onde deveria, empoleirou-se, isso sim, na parte que havia de cair. E serrava, serrava. A dada altura, passou por ali um almocreve, que se dirigia a Fajão. Viu o que estava para acontecer e logo se dirigiu ao serrador:
"Boa tarde, o senhor vai desculpar-me, mas está sentado na parte da pernada que vai cair ao chão..."
O serrador olhou-o irritado e respondeu-lhe:
"Olhe lá, meta-se na sua vida! Eu sei muito bem o que estou a fazer!"
Irritado com a má recepção da sua sensata observação, o almocreve ripostou:
"Ai ele é isso? Pois passe muito bem!"
E foi-se embora. Naturalmente, o serrador acabou de cortar a pernada e veio por ali abaixo, dando com o corpo no chão. E pensou que se o outro adivinhara o que se iria passar deveria ser santo. Largou então a correr atrás do almocreve, apanhando-o à entrada de uma ponte.

"Ouça lá, bom amigo, já que adivinha tudo tão bem, diga-me lá quando é que vou morrer..."
"Bem", respondeu o almocreve, admirado de tanta ingenuidade, "o senhor carregue o seu burro de madeira e vá andando com ele até Fajão. Quando ele der o terceiro traque o senhor morre!"
O Homem serrou mais madeira, carregou o burro e lá o foi conduzindo a caminho de Fajão. Daí a nada, o burro, experimentando uma passada sobre umas pedras soltas, deu um traque.
"Mau", exclamou o homem. "O primeiro já saiu!"
Não tardou que o burro, de novo em apuros, devido ao carrego, lá deixou escapar outro.
"Oh, diabo! Isto agora é a sério! Já só me falta um! Tenho de tomar providências!"
O homem agarrou num bocado de cortiça, fez uma rolha e meteu-a no rabo do burro. Conseguiria suster o terceiro traque? Porém, ao entrar na calçada de Reboludo, o burro, aflito, largou gás e a rolha foi bater na testa do homem, que abriu os braços e deixou-se cair, considerando-se morto. As gentes de Fajão, vendo o burro chegar à aldeia, foram procurar o dono e encontraram-no estendido. O barbeiro verificou o óbito. Meteram o corpo num caixão e quiseram fazer-lhe o funeral. Iam em cortejo, já com orações e cantilenas, quando chegaram ao sítio das Almas, onde o caminho se bifurca: um atravessa a aldeia e o outro vai directo ao cemitério. Discutiram o itinerário, a ponto de alguém dizer que fosse o morto a decidir. Então o homem sentou-se no esquife e disse:
"Quando eu era vivo costumava ir por ali, agora que estou morto, vocês vão lá por onde entenderem!"
E tornou-se a deitar. E os do funeral levaram-no por onde ele disse que ia em vida...

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