quinta-feira, 29 de setembro de 2016

LENDAS DE PORTUGAL - 94ª - BEJA

A MORTE DO LIDADOR

Eis uma história de guerra e outra de amor impossível. Vamos encontrar o Lidador, Gonçalo Mendes da Maia, fiel companheiro de armas de D. Afonso Henriques, no ocaso da sua vida. Com 95 anos, mesmo assim senhor da sua figura possante, fronteiro de Beja, onde vivia na mira dos combates com os sarracenos. Com ele estavam duas figuras igualmente lendárias da fundação da nacionalidade. Precisamente Mem Moniz e Lourenço Viegas, o Espadeiro, cuja sepultura se encontra na capelinha de S. Brás, no cemitério velho de Vila Real. Diz a lenda que o Lidador reservara para o seu dia de aniversário uma surtida contra os mouros de Almoleimar, que perigosamente se aproximavam da cidade de Beja. Em vão os seus amigos tentaram dissuadi-lo. As suas mãos podiam com a espada e isso bastava-lhe. Assim, preparou uma força de trinta cavaleiros e mais trezentos homens a pé e saiu em busca do inimigo. Este estava calculado em dez vezes mais.
Saíram cedo, atravessando as searas, onde havia claros sinais do inimigo. Assim, aproximando-se de uma mata, o Lidador mandou um batedor. Porém, este, pouco tinha avançado quando recebeu uma flecha em pleno peito, caindo redondo. Parecia o sinal de combate. E se do lado cristão a invocação era a Santiago, era Alá o grito dos mouros. A diferença numérica não parecia afectar o Lidador, que logo se viu face e face com o próprio Almoleimar. Este era mais novo que o português, mas o Lidador tinha muita experiência de combate. Os golpes eram violentos e por pouco Gonçalo Mendes da Maia não ficou estendido no campo da refrega. O cavalo, sentindo afrouxar as rédeas quis fugir-lhe, mas o velho soldado, recobrando os sentidos, trouxe-o de volta à luta, procurando o chefe mouro. Novamente combateram e a adaga deste  atravessou a malha metálica do Lidador, entrando-lhe no ombro até ao osso. Respondeu-lhe o Lidador com um golpe que acabou com o inimigo.

A batalha estava longe do fim. Aproximavam-se reforços para os mouros. Um milhar de guerreiros, capitaneados pelo rei de Tânger, Ali-Abu-Hassan, acabavam de entrar na liça. O Lidador mandou que lhe substituíssem a montada por uma mais folgada. Mem Moniz e o Espadeiro lutavam com uma bravura que os transformava de homens em máquinas de guerra. Mas o velho Lidador, que fazia tremendos estragos na mourama, a data altura, no esforço supremo de um golpe que abriu ao meio um sarraceno, sentiu a vida ir-se-lhe numa golfada de sangue, que lhe saía pelo seu ferimento. E caiu morto. Eram oitenta anos de combate que se cumpriam, pois terçara armas pela primeira vez ainda rapaz de quinze anos!
Seria o Espadeiro a matar o rei de Tânger, fazendo com que o inimigo retirasse. Todavia, a alegria de mais uma vitória alcançada foi sufocada pela morte do Lidador.

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