Pois nos arredores de Abrantes, num largo à saída da Estrada Velha, quando esta entronca com a Estrada Nova, a caminho de Alvega, há uma pequena capela, propriedade particular, sempre fechada a sete chaves, conhecida como do culto do Senhor dos Aflitos. Esmolas de azeite e em dinheiro afluem com certa regularidade e muita devoção. E a lenda não terá ainda um par de séculos. Pois diz-se que um homem dessa família - infelizmente, não lhe descortinámos o nome - passando a cavalo e com a sua matilha por aquele lugar foi assaltado por uma alcateia. Os lobos seriam muitos e esfaimados, a ponto de terem acabado com os cães do viajante. Este, impotente para enfrentar as feras, apelou ao Senhor dos Aflitos e a alcateia afastou-se, deixando-o incólume. Emocionado e grato, o cavaleiro logo ali mandou erguer aquele templozinho - quadrangular, três metros de cada face, cobertura de telha, porta com cruz sobranceira. Esta cruz foi inicialmente de pau e agora ou é de pedra ou de cimento, pois não se tem aguentado muito tempo. Dentro é a mesma simplicidade do exterior, tendo quatro imagens, não se sabendo bem qual delas é a do patrono, pois as outras não estarão identificadas. Diz o povo que as gentes com problemas nos negócios, dinheiro, mas também de saúde e de amor - aflitos de um modo geral! - ali acorrem a fazer e a pagar as suas promessas. Falámos em Alvega, e vamos agora a Areia-Casa Branca, na margem esquerda da ribeira da Represa, um pouco abaixo da ruínas do pequeno monumento romano, perto da ponta da estrada 118. Passava ali a via romana, que de Abrantes ia para Alvega, Gavião, Arronches, até Mérida. Ora naquele sítio é a Buraca da Moura, seja uma fenda que não escapa à lenda!
E a lenda conta que naquela buraca viva, escondida, uma bela moura, naturalmente encantada. Apenas saía de noite, para cantar as suas tristezas. Ora também é voz corrente que naquela buraca começa um túnel que, passando sob a ribeira, alcança a margem direita da Represa e vai dar a algures, a alguns quilómetros dali. Só que a memória popular perdeu a localização dessa saída e já ninguém se arrisca a fazer o túnel por dentro. Uma vez, um pastor terá dito que alio, junto à Buraca da Moura, lhe desapareceu uma cabra e só deu com ela bastante longe, lembrando-se do túnel. Mas também não deu com a outra saída - ou entrada! Num livro sobre monumentos militares, fala-se de um túnel devido à engenharia romana, para passagem directa de água da barragem para campos agrícolas, mas a verdade é que a orientação dada na obra não corresponde à orientação do túnel da lenda. Também por isso é lenda e tem uma moura encantada de serviço...
E, já agora, será que ainda está na igreja abrantina de S. Vicente essa relíquia que é o dente de S. Vicente? Se está, saibam quantos que quem para lá a levou foi Pedro Afonso, irmão bastardo de D. Afonso Henriques. Outras relíquias do mártir estão em Lisboa na Sé e, ao que parece, também na igreja de S. Vicente de Fora.