sábado, 25 de fevereiro de 2012

LENDAS DE PORTUGAL - XXXIX - SERPA

A COBRA E O REI GORDO


É possível que já seja demasiado tarde, para se contar esta lenda. Está praticamente esquecida por terras de Serpa, talvez porque já não há razão para ser divulgada. Terá aparecido o tal homem sem medo? Eis o que devem saber. Tratava.se de uma dama chamada Ana, de beleza extraordinária, porém transfigurada em cobra, mas de farta cabeleira e olhos de fogo. Pois Ana vivia junto de uma figueira, na conhecida Quinta do Fidalgo, à entrada de Serpa, dos lados de Beja. E Ana aparecia sempre nas manhãs de S. João, mostrando um riquíssimo tesouro e dizendo:

"Eu não engano ninguém, e quem for corajoso que me venha desencantar, que terá todo este tesouro."

Bem, mas era preciso, de facto, ter muita coragem, para desencantar Ana. A primeira parte parecia não meter medo a ninguém, é verdade. Bastava chegar à Quinta do Fidalgo, junto da figueira e gritar bem alto o nome da dama. O pior é que logo a seguir a serpente se transformava em touro bravo. Quem passasse esta primeira prova, sentiria o touro transformar-se em Cão Preto, outra fera. Se, mesmo assim, o homem que queria desencantar Ana resistisse, então o cão voltaria a ser cobra que se enrolaria no seu corpo. E dar-lhe-ia um beijo na face. Porém, se o homem transmitisse medo ou repugnância, a cobra mordê-lo-ia mortalmente e Ana continuaria encantada. Doutro modo, ele ficaria rico para todo o sempre. Bem, mas come se disse atrás, esta lenda está quase esquecida. Quanto a nós é porque apareceu alguém que desencantou Ana e deve estar a gozar os rendimentos em qualquer ponto do globo. Ou, o que será pior, os homens perderam a coragem...
Ora alguma actualidade tem esta lenda. Trata de D. Afonso II que, gordo como era, teve por cognome exactamente isso, o Gordo. De qualquer modo, na linha de actuação de seu pai e de seu avô, procurava conquistar territórios que estavam sob o domínio mourisco. Assim, andando com as suas tropas pelo Alentejo procurou apanhar Serpa ao inimigo.

Estava calor, a armadura incomodava-o, era valente mas a gordura não lhe permitia dispor de si como gostaria. De qualquer modo, colocou as suas hostes da melhor maneira nas encostas do monte de S. Gens e depôs-se ao combate.

E o combate foi duro, que portugueses e mouros eram gente de força. E os primeiros impactos o desfecho, pois os mouros acabaram em debandada. Serpa e os seus arredores caíram nas mãos dos portugueses. Os chefes militares festejavam a vitória com os seus soldados. Porém, às tantas, ninguém sabia do rei. Procuravam-no e não aparecia. Encontraram-no caído, mas não morto nem ferido, apenas desmaiado. Do calor. Não resistira. Foram buscar água a um poço, junto ao Monte do Peixoto, que passou a chamar-se Poço-del-Rei. Recobrando os sentidos, o Gordo congratulou-se com a vitória. Mas vendo tantos guerreiros mortos, mandou ali erguer uma cruz em sua memória. Era de madeira, mas D. Dinis mandou substituí-la pela de pedra que lá está, a Cruz Nova.

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