sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

LENDAS DE PORTUGAL - XLIX CANTANHEDE -

RELÍQUIA DO PÃO E QUEIJO

Querem ver como se desfaz uma lenda sobre a origem de um topónimo? Pois diz o povo que havia uma moura chamada Nhede que costumava cantar à noite.
Voz maviosíssima, uma noite passou-lhe sob as janelas um homem que não se conformava que ela se calasse sequer um breve instante e suplicava:
"Canta, Nhede! Canta, Nhede!"
Mas acontece que Cantanhede veio do latim Cantinieti (villa), isto é "(quinta) da canteira ou (pedreira) de cantaria". Cantonietum é um substantivo colectivo, tirado de cantonius e este de cantus, "pedras". Em 1807, Cantonied e Cantoniede! É assim...
Mas a freguesia de Ançã foi o espaço geográfico a que foi confinado pelo rei D. Pedro II o Marquês de Cascais. E ali passou os seus últimos dias. Ora conta a lenda que o marquês, habituado à boémia na capital, onde também tinha todos os seus negócios, resolver arranjar um expediente que lhe permitisse desobedecer - e não desobedecer - à ordem real de não abandonar a terra de Ançã. E, assim, mandou cobrir o chão da sua carruagem com a referida terra, levando mais uns sacos dela, que espalhou por todo o seu palácio.
Sabedor que o marquês se encontrava em Lisboa, o próprio rei foi-lhe pedir contas da desobediência, mas o fidalgo respondeu-lhe:
"Desde o meu desterro não deixei de calcar e pôr o pé na terra do degredo, na terra de Ançã."
Pois na porta principal da capela de S. Bento, nesta mesma Ançã, há uma inscrição cujos dizeres dizem, mais ou menos, o seguinte: Esta Santa Casa se fez de esmolas no ano de 1599, no qual havendo a peste geral em todo este reino durou por muito tempo e nesta vila por interferência do glorioso S. Bento não durou mais que vinte dias. Na verdade, a grande epidemia pestífera do século XVI devastou toda a Zona Centro. Porém, aos primeiros sinais, o povo de Ançã rezou a S. Bento, que o protegeu!
Pois em Ançã se festejam devotadamente os aniversários do seu padroeiro. E as cerimónias tinham tal demora, que os padres levavam sempre uma merenda de pão e queijo não só para seu sustento como para as crianças que, esfomeadas, assistiam. Ao longo dos tempos, tornou-se uso da festa beneditina a distribuição de pão e queijo no final  dos actos litúrgicos.
E o curioso é que este pão e queijo passou  a assumir importância de relíquia, pois muitos fiéis não o comem, antes o levam para suas casas, onde dizem se conserva anos sem apanhar bolor.
E ainda hoje, os irmãos de S. Bento, após o pagamento das suas quotas e, eventualmente, de promessas, levam para casa as já célebres relíquias de pão e queijo. Também na Mezinha de S. Sebastião, Couto de Dornelas, em Boticas, se guarda pão com a mesma crença de não criar bolor e proteger.


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